Já todos ouvimos falar na mais antiga profissão do mundo. E na mais antiga deficiência do mundo?... esta parece-me que raramente se fala dela, mas quer-me parecer que é tão antiga ou mais antiga ainda que a primeira. Ela aparece já descrita, vejam lá, no Livro Genesis do Antigo Testamento, e repararemos mais afincadamente nela se nos lembrarmos da história de Caim e Abel. O primeiro dos irmãos, Caim, matou Abel por razões de ciumeira e inveja e, a partir daí, a deficiência não mais deixou de ter relevo por andar muito associada às maiores paranóias mundiais. Ciúme, inveja, cinismo, ódio, histerismo, calculismo e não sei quantos mais ismos, costumam aparecer muito ligados e por vezes assustadoramente acumulados na mesma pessoa, pelo que, em conjunto, é de uma deficiência avassaladora.
Muitas vezes o cínico aproxima-se de nós muito subtilmente, tudo mesuras e elogios, mas por detrás de si está o calculismo, o ciúme, a inveja e finalmente o ódio. Já nos demos muitas vezes a perguntar porque será que tal ou tal pessoa nos odeia tanto, e nos questionamos sobre o mal que lhe teremos feito. Não lhe fizemos mal nenhum!... é a pessoa que somos e que ela gostaria de ser, é a namorada que temos e ela não tem, é o marido que temos e ela não conseguiu conquistar, é o sorriso que temos e ela nunca terá, são os filhos que temos e ela não soube fazer, são os amigos que temos e ela não conseguiu atrair, é o curso que temos e ela nunca quis queimar as pestanas a tirar... enfim... é o ciúme e a inveja a funcionar.
Mas o engraçado e extremamente perigoso é que esses e essas deficientes são sempre uns santos e umas santas. No seu estreito circulo de amizades cultivam ou esforçam-se por cultivar a imagem de pessoas bondosas e prestáveis, solícitas e mais puras que sua Santidade o Papa, incapazes da mais leve maldade ou dessimulado pensamento. Mas, com tanto teatro e esforço de dessimulação mental, por vezes os circuítos da placa entram em esforço e... zás!... salta-lhes a tampa e o trazeiro fica à mostra. É aí que os apanhamos, indefesos e sem justificação. Então entra em cena o histerismo, incapazes já de manter aquela imagem de santidade tão característica. Insultam então tudo e todos, o mundo é seu inimigo e já nada têm a perder. O ciúme e a inveja que os faz mover todos os dias vem então ao de cima... claros como a água, para toda a gente ver. Mas nem todos os veem, ou não querem ver, ou por interesse ou porque também padecem da mesma deficiência. Mas esses verdadeiros deficientes estão aí por toda a parte. Eles sentam-se ao nosso lado nos empregos, alguns são nossos vizinhos, estão nas escolas, na política, nas religiões... na nossa família. É uma verdadeira doença a ter em conta, a combater... porque inimiga declarada da felicidade dos outros.
Já lá vai o tempo em que um bom pai de família dizia aos seus filhos: "sejam honestos e cumpridores das vossas obrigações e estudem, estudem muito, pois o sucesso só se consegue com muito trabalho e estudo e os bons empregos estão guardados para os mais inteligentes e bem preparados". O que mudou?... quais os principais factores que determinam hoje o dito sucesso?... porquê tanta gente com uma ou duas licenciaturas, mestrados, doutoramentos a trabalhar como caixas de supermercados, cafés, confeitarias ou... desempregados?
Deixemo-nos de trêtas e passemos, sem mais delongas, ao que interessa: um bom pai de família hoje em dia começa por dizer aos seus filhos, aí por volta dos seus 15, 16, 17 anos, por alturas da frequência do Secundário: "inscrevam-se nas juventudes dos chamados partidos do arco do poder, não faltem a nenhuma reunião ou iniciativa, deixem-se dessas histórias de honestidade, ética, democracia, socialismo, social-democracia, respeito pelas promessas eleitorais, defesa da cidadania ou outras balelas do género. Para garantia do vosso futuro, quanto mais perto se colocarem junto das vedetas do poder melhor para vocês"!... de pequenino se torce o pepino, não é?... e assim começam os futuros secretários de estado e ministros com a escola toda!...
Quando estes filhos de bons pais de família chegam às Universidades que conselhos recebem dos seus progenitores?... os mesmos que no parágrafo anterior, só que mais profícuos e refinados!... o objectivo agora é serem eleitos a qualquer custo para as associações académicas, e então para a presidência de uma delas será a cereja em cima do bolo. Aqui chegados, os corredores dos Ministérios ficam escancarados, com reuniões atrás de reuniões, iniciativas atrás de iniciativas, e a tarimba nos meandros do poder está garantida. Mas então, com tantas passeatas, como ficam os estudos?... não se concluem as disciplinas atrasadas?... não se acabam os cursos?... isso jámais foi ou será problema!... um telefonema da pessoa certa para o "padrinho" certo e o curso fica concluído!... lembram-se do Relvas?... e daquele ex-primeiro ministro que fez a cadeira de inglês técnico a um domingo?... pois então...
Mas existem vários outros caminhos para se chegar a Roma. Ser presidente de uma juventude partidária da area do poder é um deles e também serve muito bem: o António Seguro e o Passos Coelho deram a volta por aí... e o segundo... zás!... chegou efectivamente ao poleiro. O Seguro, coitado, tem estado lá perto e continua tentando.
Para quê, por conseguinte, perder tempo e dinheiro com os nossos filhos, indicando-lhes caminhos que nunca conduzirão a Roma?
Está mais que visto que melhor que malhar anos e anos a fio num curso superior de uma qualquer escola pública, pago a peso de ouro e de futuro aproveitamento duvidoso, é mais bem rentável participar numa dessas ditas "universidades de verão" de uma qualquer JSD, JS ou JC, ouvindo ex-militantes do MRPP explicar como, partindo da defesa da ditadura do proletariado, depressa chegaram aos corredores do poder dito burguês... acenando, contentes e empoados, à passagem da majestática imperatriz Angela Merkel.
Na minha juventude tive um cãosinho preto, rafeiro, chamado Snoop. Esperto como era, tinha tudo para gostar dele. Era alegre e espevitado e eu nunca perdia a ocasião de o soltar sempre que podia, para grande consumição da minha mãe, que não gostava nada que o soltassemos. Era um cão de encantar. Uma das coisas que eu mais adorava nele, entre outras, era a sua capacidade para caçar ratos. Os roedores, pela calada da noite, roubavam-lhe sempre que podiam a comida que nós lhe deitavamos e ele, certamente por isso, ganhou-lhes um pó de criar bicho. Sempre que o ouviamos latir de noite era certamente por, estando preso, não poder abocanhar algum rato. Um dia, não sei como, ouvi uma grande gritaria em minha casa e, para espanto meu, era a minha mãe que se lamentava que lhe havia entrado um rato em casa. Ninguém sabia o que fazer. Um rato dentro de casa era pela certa confusão até altas horas da noite, até ser apanhado. Apanhado?... mas quem o conseguiria apanhar?... e por onde andaria ele, naquela confusão de móveis, gavetas e caixas de objectos antigos arrecadados? A minha mãe estava aflita, impaciente, desnorteada, sem saber o que fazer. Então, clik, lembrei-me do Snoop e a sua aversão visceral aos ratos. Fui ao terraço contíguo à casa onde então moravamos, peguei no Snoop pela trela e arrastei-o até à entrada da porta de casa. Disse-lhe então, baixinho, acicatando-o, "vai Snoop, vai, apanha o ratinho, apanha o ratinho"! O bicho entrou disparado pela casa dentro a grande velocidade, cheirando por tudo quanto era canto e debaixo das camas. Foram nem dois segundos, o coitado do ratinho, assustadíssimo, saiu disparado e esbaforido pela porta fora e o Snoop, sem lhe dar descanso, foi apanhá-lo debaixo de um carro estacionado na rua, imobilizando-o. A acção do canídeo mereceu palmas dos vizinhos que presenciaram a cena e nós, lá em casa, minha mãe incluída, passamos a tratar o Snoop como um verdadeiro herói, ainda mais merecedor, a partir daí, da nossa total admiração.
Vem esta história a propósito da actual situação vivida pelo nosso país. As pessoas são todos os dias espoliadas nos seus direitos, nos seus salários, nas suas reformas, nas suas pensões. As pessoas vêm sendo colocadas em mínimos de dignidade de há dezenas de anos atrás e, incompreensívelmente, pouco se manifestam, deixam-se roubar, não fazem nada... não dão troco aos espoliadores.
Ah Snoop, meu rico cãosinho, tu sim, não te deixavas levar. Ratinho que tas fizesse cá as pagava. Como tenho saudades tuas!...
Se toda a gente tem um blog, porque não hei-de ter eu um blog também? Por necessidade? Por vaidade? Por vontade de afirmação? Sei lá!... o que eu sei é que me apetece ter um blog e é isso que eu estou fazendo agora. Ainda agora comecei e, para falar verdade, tudo não passa para já de uma grande confusão. Mas hei-de lá chegar. Carrego nesta janela, carrego naquela e... ah... já percebi... então é isso. Já sou cota mas não sou tótó. O grande problema é tentar adivinhar o que escrever. Claro que não poderei escrever sobre assuntos sérios... serei de imediato expulso do mercado. Não me parece que escrever baboseiras me levará também a lado algum... ninguém me considerará um tipo sério. Sobre que escrever então?... eis pois a grande questão!...