Deambulações sem nexo de um grande chato
De tempos a tempos dou-me a pensar se valerá mesmo a pena queimar os meus neurónios com assuntos tão sérios como o futuro do meu país, a educação e os princípios que ensinei aos meus filhos, o esforço contínuo para acompanhar a evolução da sociedade, a necessidade de me informar e adquirir livros e mais livros, conhecer novos autores e teorias sempre em evolução. Para quê tanta preocupação com assuntos relativamente aos quais a grande maioria das pessoas não passa nenhuma bola e nem está para aí virada? Será que isso de querer ser cidadão integral e a tempo inteiro leva alguém a algum lado neste país? Acho que tenho mais dúvidas que certezas sobre o assunto.
Quando olhamos para o lado que vemos nós? Ali vai o António, um gajo que nunca teve pruridos com coisa nenhuma, sempre que abria a boca saía sujeira, já esteve inscrito nos partidos A, B, C e D, já rastejou e bajulou safardanas que se farta, mas, olha o gajo, todo maneirinho, fatinho Hugo Boss, carrão bojudo à porta de casa, aparentemente numa boa e irradiando riqueza e felicidade. Olha, ali vai o Filipe, o tal que andou a colar centenas de cartazes do MRPP e era um acérrimo defensor da ditadura do proletariado e, incrível, é vê-lo agora como secretário de estado, pelo PSD, no ministério da solidariedade e segurança social, com uma boa maquia no pocket todos os meses. Mas que latosa, hein?... de um simplório caga-tacos aos berros contra o social-fascismo, lá se enfiou na gamela das Misericórdias e da caridadesinha e, em três pulos, aparece agora, como que por magia, bem agarradinho ao poleiro que controla os milhões da Segurança Social. Isto para não falarmos do Afonso, aquele gajo que berrava com quanta força tinha na assembleia municipal contra o PSD e a direita, mas o presidente da câmara, que era um gajo fino que se farta, lançou-lhe a fateixa e fez-lhe uma proposta de pegar ou largar: passar para a lista do PSD nas próximas eleições, tacho garantidinho a carregar papeis de um lado para o outro e a mandar uns bitaites nos serviços camarários, ordenadão de morrer e chorar por mais, a partir de quatro dígitos, carro a tempo inteiro e dúzias de secretárias e assistentes louras, morenas e ruivas a entrar e a sair o dia inteiro lá do gabinete. Era pegar ou largar. O que é que achas que ele fez?... aceitou de caras, pois claro!... quem não aceitaria?
Para quê então procurar ser um cidadão exemplar? Que adiantam os bons princípios como forma de vida se o que está a dar é a bandalheira e o safe-se quem puder? Que adianta investir na formação e no trabalho se a forma mais rápida e eficaz de subir na vida neste país é, pelo que vimos, esquecer a ética e os princípios e apostar na traição subterrânea e no oportunismo? Para quê dizer a um filho para se matar a estudar para garantir um melhor futuro, se os que vão dirigir o país nem sequer estudam e compram os cursinhos universitários como quem compra video games?
Bem sei que este país não é para inteligentes, mas para os espertos. Mas então, se são os espertos que têm dirigido assim tão bem este país... porque estamos afinal há tantos anos a chafurdar na merda?... ou estarei eu agora a querer ser inteligente?...