Dicionário de Política para Tótós - de A a Z
AUTARCA - Costuma chamar-se autarca à pessoa que é eleita para uma Camara ou Junta de Freguesia através de eleições. Claro que, depois de eleito, qualquer autarca que se preze passará a ser conhecido como Doutor isto, Engenheiro aquilo ou até por simples patrão, pois que, na maioria dos casos, é da relação de patrão e empregados que vive a maior parte das autarquias.
Mal seja eleito, a primeira acção de todo o bom autarca é fazer rodear-se de criados e bajuladores da sua inteira confiança. Não é tão importante assim o nível de instrução ou a experiência dos que com ele privam e actuam. É importante sim que sejam uns ferrinhos do partido e submissos à sua própria pessoa. Mas se, para acomodar algum dos seus amigos, for necessário simular habilitações inexistentes ou convocar algum concurso para preenchimento de lugares que se encontram já preenchidos, nenhum problema, haverá sempre um amigo de confiança nas Novas Oportunidades e convoca-se de imediato 50 ou mais pessoas (tótós...) para o exame do concurso a fazer de conta.
Mal é eleito o autarca esperto e ladino tratará logo de dizer mal dos autarcas que o antecederam, a não ser que o poleiro já venha a ser ocupado por ele próprio desde anteriores eleições. Aí sim, estará tudo bem. É que convem salvaguardar-se, pois, como os anteriores não prestavam, tudo irá ser mudado, a começar pelos fornecedores e prestadores de serviços da autarquia, os quais, segundo ele, têm preços muito melhores e em mais aceitáveis condissões e, para além do mais, mas isso ele não diz publicamente, claro, com sobrefacturações muito mais rentáveis para encher o saco azul do partido ou o seu próprio saco pessoal.
É claro que o autarca publicamente não é nada disso, ele é, pelo contrário, uma pessoa sensível e preocupada com a comunidade. Por isso, todos os anos realizará uma viagem a Cuba com pessoas a necessitar de urgentes tratamentos médicos só aí disponíveis, durante uma ou duas semanas e, enquanto espera, sempre poderá retemperar do esforço, ele e as suas secretárias, nas belas praias de Varadero. Mas poderá também ir ao Brasil, de férias, durante três ou quatro meses ao ano, com pessoas da terceira idade lá da terra, tudo pago pela autarquia. Claro que o bom autarca aproveitará para montar tenda em Copacabana, Rio de Janeiro, igualmente acompanhado das suas secretárias ou acompanhantes de velhinhos, a bem do apoio desinteressado à terceira idade.
O desenvolvimento da sua cidade é uma das principais preocupações de qualquer bom autarca. Por conseguinte, necessário se torna estabelecer relações pessoais e especiais com os construtores e empresários, ajudá-los nos seus pedidos de licenças e projectos, tomar parte na apreciação dos riscos dos seus investimentos, tudo de uma forma cortês e desinteressada, pois, como é sabido, o mandato não durará para sempre e necessário se torna acautelar o futuro com umas boas contas em "offshores" ou um cargo de prestígio e bem remunerado numa empresa por si favorecida.
Claro que, no final, terminado o mandato, haverá sempre o risco de o autarca ser acusado de enriquecimento ilícito, de ter comprado um andar de luxo no Porto ou em Lisboa, ou uma quinta em Baião ou Marco de Canavezes. Mas isso, com os milhões acumulados no exterior a dar descanço e os amigos certos nos locais certos, tudo se resolverá. Processos judiciais, se os houver, levarão anos e, com recursos atrás de recursos dez anos é uma vida. Pagar a escritórios de advogados não será preciso pois estes já receberam antecipadamente quando foram contratados para a feitura das leis encomendadas pelo governo ou na defesa de pleitos em que são parte poderosas empresas públicas.
Ser autarca numa Junta de Freguesia ou, principalmente, numa Câmara Municipal em Portugal não é pois bom nem mau... é excelente!...