Quando era puto queria ser jogador de futebol...
Quando era puto queria ser jogador de futebol. E não era para admirar. Eram os tempos do Eusébio, do Simões, do Torres, do José Augusto, do Coluna, do glorioso Benfica, dos Magriços de Inglaterra. Eram tempos mágicos para mim, só via bola e mais nada. Caminhava pelas ruas e só me via sonhando a correr com os pés no esférico, os espectadores a aplaudir-me e eu, fintando tudo e todos, a emprastar com a bola bem no fundo da baliza do adversário. Eram os tempos dos três F's... Fado, Futebol e Fátima. De fado não gostava muito, era todos os dias e a toda a hora na rádio e na TV. De Fátima mais ou menos, pois lá em casa a religião tinha então um peso enorme e era comer e calar. Do futebol sim, era com gosto que aos sabados e domingos jogava de manhã à noite, dando literalmente cabo do par de sapatos que os meus pais com tanto esforço me compravam. Mas tudo deu em nada. Tinha força mas, pelos vistos, não tinha jeito, ou então não me toparam devidamente, enfim, ainda fui ao Vilanovense, o clube cá da terrinha, mas não me fisgaram. Fim do sonho... que a vocação era outra.
Aos vinte anos o que mais queria era ser politico. Por alturas do 25 de Abril, frequentava eu a Escola Secundária à noite, como trabalhador-estudante, a revolução envolveu quase toda a gente, uns a favor, outros contra. Eu era a favor porque sentira na pele o que era fazer parte de uma família trabalhadora em Portugal, cujo chefe de família se vira obrigado a emigrar para sustentar a prole e garantir um futuro mais risonho. Havia que lutar por mudanças profundas no país, que intervir como cidadão empenhado na mudança. Lia muito, centenas e centenas de livros extra escolares, lia sobre política, filosofia, história, literatura, arte, arqueologia (gostava então, e ainda gosto muito, de arqueologia). Interessei-me também por linguas, a nível escolar e como autodidacta. Foram anos de muito empenho e dedicação às transformações democráticas no país, mas muito pouca dedicação a mim e à minha família. Paguei pessoalmente, com a minha família, um alto preço pele meu empenho... enquanto muitos outros "democratas", de cravo ao peito, tratavam da sua rica vidinha.
Agora, quando já devia era ter juízo, ando numa de Indiana Jones. Há uns anos atrás achei que devia perder um pouco mais de juízo e deixar-me dessas histórias de querer mudar o mundo a qualquer preço. O mundo tem mudado e vai continuar a mudar e outros virão que, muito mais expertos do que eu, lhe darão a volta muito mais subtilmente. Decidi então fazer a "revolução" dentro de mim mesmo e deixar que os outros façam a sua quando muito bem entenderem. Eu não sei nada, e tenho até mais dúvidas que certezas. Atirei-me então para a frente, fazendo o que já devia ter feito à uma dezena de anos atrás. Mas valerá a pena repescar sonhos antigos e dedicar-me a desafios de difícil concretização. Valerá a pena fazer em adulto, já cota, tudo o que os outros fizeram em meninos. Certezas não tenho, nem ninguem as tem, mas uma coisa eu sei e sinto-o dentro de mim...
enquanto tiver um sonho estou vivo!...