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russomanias

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Criminoso

Alfredo já anda cá nesta vida há uns bons pares de anos, já devia pois ter obrigação de saber que isto de cada um de nós ter os seus direitos está muito bem naqueles livros belíssimamente bem decorados e encadernados a que alguns pedantemente chamam de Declaração Universal dos Direitos do Homem, de Declaração Europeia dos Direitos do Homem e, cá em casa, de Constituição da República Portuguesa. É que, como é costume dizer-se, uma coisa é o espírito e a letra da lei, outra coisa, bem diferente, é a própria vida de cada um dos que têm de se sujeitar para no final do mês receberem um singelo ordenado que dê para tapar algumas "frinchas" e disfarçar algum "frio" lá em casa. Mas, enquanto esse ordenado existe, melhor ou pior ainda permite manter um mínimo de dignidade a quem trabalha, faz sentir que a sociedade conta com ele e, apesar de tudo, ainda o respeita. O pior foi quando sem contar o despediram do emprego, fez agora precisamente um ano. Nem queria acreditar, vinte anos de dedicação total à empresa, de amor à camisola, milhares de horas extraordinárias trabalhadas sem receber. 

 

Mas o que lhe doi mesmo não é tanto o ter ficado sem o seu emprego, melhor ou pior cá se há-de safar, mas antes o ter deixado de se relacionar diariamente com os seus colegas de trabalho de tantos e tantos anos; de não mais tomar o seu cafezinho e fumar o seu cigarrito enquanto mandava umas labercas contra o Sporting, o Porto ou o Benfica; de ter que andar agora em explicações diárias na rua a quem o conhece sobre a sua actual e triste situação; de ter que ouvir sem querer, diariamente, um coro de piedosas lamentações altamente motivadoras, sobre si, do tipo "coitado, está desempregado", "não desanimes pá", "tenho muita pena", "não desistas", ou de o Centro de Emprego o ter chamado para dezenas de "reuniões" mas nunca para lhe apresentar uma verdadeira oportunidade de emprego. Mas tudo isto, embora moral e psicologicamente muito custoso para si, ainda vá que não vá. O pior é quando tem de ir de quinze em quinze dias apresentar-se na sua Junta de Freguesia para "assinar o ponto" e fazer prova, que tem de estar devidamente carimbada, que tem andado a esmolar humildemente emprego por tudo quanto é porta e esquina, rua e calçada, pois nesses momentos sente, ao contrário dos bem instalados banqueiros que impunemente desfalcaram este país, que fazem questão de o tratar como um simples e reles... criminoso.

 

 

Um homem de sucesso

Alexandre era um verdadeiro homem de sucesso, daquele sucesso que logo dava nas vistas, que se queria verdadeiramente mostrar, que fazia questão que todos, mas todos, soubessem que tinha com a vida uma relação de constante satisfação e de verdadeiro poder. Alexandre era, de facto, um homem extraordinário. Não havia empresa sua que não singrasse em toda a linha e não apresentasse números verdadeiramente reveladores de um conhecimento de gestão surpreendente. As suas capacidades iam, contudo, muito mas muito mais além das de um qualquer simples administrador do deve e haver que fazem o monótono dia-a-dia de qualquer empresa. Ele era, igualmente, um extraordinário manobrador de homens e mulheres e a sua arte, a sua verdadeira arte, estaria certamente em fazer com que todos eles trabalhassem abnegadamente para o avolumar cada vez mais do seu já vasto império. Se os inúmeros investimentos a fundo perdido a que sempre candidatara as suas empresas estivessem algo demorados ou tremidos, um simples telefonema e um posterior "agradecimento" monetário à pessoa certa do partido no poder poriam de imediato fim à demora. O mesmo se diga em tudo que respeitasse a inesperados imbróglios com a Segurança Social ou o Fisco, problemas de somenos importância para Alexandre pois que, para isso, muito investira já, com quem de direito, em solenes reuniões de compasso e avental com o fim de protelar as dívidas até à sua prescrição total.

 

Mas este breve e pequeníssimo retrato de Alexandre ficaria incompleto se não relevassemos igualmente aquí as suas mais que numerosas dádivas e contribuições para com os mais necessitados da sociedade, nomeadamente para com todos aqueles que se afundaram com a crise e tiveram que se socorrer na quase sempre reconfortante "sopa dos pobres" por si várias vezes financiada, muito solenemente aliás, convem sempre dizê-lo. É claro que terem descoberto inesperadamente agora que fez transferir, durante anos, para várias contas "offshore" no Panamá, vários milhões de euros que subrepticiamente subtraiu às suas várias empresas e ao Fisco, em nada o faz desmerecer na sua reconhecida versatilidade de homem capaz, bom e de... sucesso!...