Uma onda de inesperada perseguição percorre o país. Perseguem-se os malditos incendiários que espalharam o inferno este verão de norte a sul e ninguém sabe dizer quem lhes pagou a encomenda, embora haja quem pelo menos desconfia. Os sempre atentos e valorosos homens e mulheres da ASAE perseguem os donos dos restaurantes porque alguns desses malandros acondicionam os alimentos no meio de ratos e baratas e o artólas do Zé tudo mama e nem pia. Já o polícia persegue os assaltantes e, de vez em quando, acerta com uma bojarda na cabeça ou nas costas dos coitados dos gatunos. Mas como o polícia tinha mais é que estar quieto e deixar a vida rolar, persegue-se o polícia e deixa-se o gajo sem chêta para comer e sustentar os filhos, que é para a próxima aprender e dar um forte aviso aos restantes como ele. Agora, como ter 50.000 euros, ou mais, na conta do Banco é fortemente duvidoso e indícia actividade fraudulenta ou pelo menos duvidosa, pelos vistos vão ser perseguidos os depositantes cuja guita atinja tais proporções. Mas como não tenho semelhante grana, nem para lá caminha, à guarda do triste e depenado Banco que me contabiliza os tostões, perseguido penso não vir a ser pelo menos eu, escapando assim, e deste modo, à mais que certa exposição pública de tão rebaixante e vergonhoso delito.
Mas o mais inacreditável acto de perseguição de que tenho tido ocasião de me dar conta tem a ver com a super lucrativa actividade dos vendedores das famosas bolas de berlim que nas luminosas praias de norte a sul do país passeiam o seu conhecidíssimo milionário negócio sem se preocuparem em alombar às costas, além das cremosas bolas, com a respectiva e obrigatória impressora para passar facturas, situação que em muito tem prejudicado o depauperado erário público, constituindo talvez até a principal causa do "déficit" crónico do país. É que, e é bom que se diga, se se perseguem tenaz e impiedosamente, e se metem na prisão, os donos e administradores do BPN, BES, BPP, BANIF e CAIXA, por nos terem sacado à socapa uns bons milharesde milhões, por que raio de motivo se devem deixar à solta e à vontade uns pobres coitados que têm de governar a sua triste vida com uns miseráveis tostões?... ora bolas!...
Aqui há dias passava eu, já noite, ali para os lados da estação do Metro da Trindade, no Porto, quando reparei numa pequena multidão de pessoas que se dirigia para o parque de estacionamento situado ali mesmo ao lado. Perguntei a alguem o que se passava e vim a saber que eram pessoas que iam tomar uma refeição quente (sopa dos pobres) oferecida por uma dessas organizações que prestam apoio e assistência às vítimas da austeridade, pessoas a quem o nosso Primeiro Ministro Passos Coelho apelidou de "mexilhão". Como se devem lembrar, Passos Coelho referiu então que desta vez a "crise" não foi suportada pelo "mexilhão", pretendendo sugerir que a mesma foi debitada desta vez ao "peixegraúdo".
Não sei como, perante esta imagem de pessoas arrastando-se por um prato de sopa quente numa fria noite de inverno, veio-me de repente à memória a notícia tambem há dias passada na TV de que a marca de automóveis alemã Mercedes teve uma explosão de vendas em Portugal durante o ano de 2014, sendo o nosso país aquele em que a marca mais cresceu em toda a Europa. No seguimento da notícia, ficamos também a saber que a marca tambem alemã da BMW teve igualmente um forte crescimento de vendas, assim como outras marcas topo de gama. Num esforço silogistico de primeira vaga, concluí logo, no seguimento da afirmação do Primeiro Ministro Passos Coelho, que o "peixe graúdo", pelo esforço feito em pagar a maldita "crise", não teria nunca condições para adquirir tanta viatura de luxo, pelo que só o "mexilhão", pensei, por ter escapado à dita "crise", se poderia ter aboletado a tantas máquinas oriundas do orgulhoso país da Senhora Merkel. Vai daí...
Vai daí, com a firme vontade de colocar à prova a maravilhosa afirmação do nosso Primeiro Ministro, caminhei desenfreadamente por todas aquelas ruas da laboriosa Invicta com o objectivo claro de apanhar algum "mexilhão" distraído com a boca na botija, a sair agachado ou disfarçadamente de algum Mercedes ou BMW e a dirigir-se, escandalosa e desavergonhadamente, para a "sopa dos pobres" do parque de estacionamento da Trindade. Determinado, subi a Rua de Camões, desci a Rua do Bonjardim, calcorreei a Avenida dos Aliados, subi a seguir a Rua Sá da Bandeira, atravessei para a Rua Santa Catarina, desci a Rua 31 de Janeiro, subi a custo a Rua dos Clérigos, desci apressado a Rua da Fábrica e, já cansado e subindo sofregamente a Rua do Almada, virei então à direita na Rua Alferes Malheiro, chegando de novo à Trindade. Resultado... em toda aquela autêntica maratona pedonal não vi sequer um único e triste "mexilhão" a sair de um germânico Mercedes ou BMW e a dirigir-se para a esquentada "sopa dos pobres" da Trindade.
Afinal, pergunto eu, tanta correria fiz para provar o quê?...
JUSTIÇA - Nem sei por que é que me dou aqui à chatice de vir falar sobre Justiça, pois todos sabem que muito mais rentável e mobilizador é falar sobre as vidinhas preenchidas e empolgantes da Cristina Ferreira ou do Mickael Carreira. Aquilo sim, são assuntos da ordem do dia, onde todos nós aprendemos que quanto menos e pior se fala mais sucesso e admiradores temos. Já quanto à tal dita Justiça, nunca é por demais referir que vivemos num país em que a dita cuja é um bem a todos acessível, em perfeita igualdade de circunstâncias e independentemente do meio social de onde se vem. Assim, seja pobre, remediado ou rico, cada português pode muito bem dizer que sempre contou e contará com a Justiça inteiramente a seu lado, se bem que algumas histórias que por aí se contam nem sempre corroborem esta afirmação.
É claro que muita gente por aí diz que só quem tem unhas toca guitarra, pelo que será de concluir também que só quem tem dinheiro pode tocar a Justiça para a frente, ou não será assim? Todos sabem que quem tem dinheiro e amigos bem colocados no poleiro sempre poderá contratar uma catrapazada de advogados e, consequentemente, engendrar e escrevinhar recursos atrás de recursos, protelando a dita Justiça "sine die", até à prescrição dos supostos crimes de corrupção, fraude fiscal ou branqueamento de capitais. E é vê-los depois por aí, aos que têm a tal maquia quanto baste, a gozar com o pessoal e a chaparem-nos na cara com a deixa de que afinal... o crime compensa. Quanto ao Zé do Boné, aquele azarado laparoto que perdeu o emprego e em má dia de sorte se lembrou de deitar a mão a um chouricito jeitoso que estava bem quietinho na prateleira do Pingo Doce, esse terá de pagar as favas bem pagas, sem tossir nem mugir. Como podem constatar, melhor Justiça não poderá haver, pois sempre será de se deitar mão do famoso princípio da proporcionalidade, em que quem mais tem mais "esquemas" possui ao seu dispor, e quem menos tem lá terá de se aguentar ao tranco como sempre... e assim sucessivamente.