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russomanias

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VIDA E DESTINO - Vassili Grossman (livro)

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Vassili Grossman foi um extraordinário reporter da II Guerra Mundial que nos deu neste lancinante livro, confiscado e proibido na antiga União Soviética durante dezenas de anos, imagens profundas e avassaladoras da invasão e violência perpetrados pelos nazis aquando da invasão do seu país. Através do seu livro descreve-nos a vivência diária no campo de batalha de simples soldados, oficiais e comandantes de exércitos comuns e famosos, sem deixar de abordar em profundidade os traumas psicológicos e patológicos dos próprios Hitler e Estaline. Vida e Destino é um livro profundo e impressionante da literatura russa moderna, comparado por alguns ao Guerra e Paz de Leon Tolstoi.

 

Através deste assombroso livro Vassili Grossman faz chegar até nós imagens terríveis do que foi o sofrimento do povo russo e as respostas dadas pelo mesmo no decorrer do tenebroso conflito, descrevendo e intercalando ambientes familiares, snipers escondidos entre as ruinas de Stalinegrado, laboratórios científicos e o vergonhoso e infindável Gulag.

 

Mas, ao mesmo tempo que descreve as duras provas e sofrimentos a que o povo russo foi sujeito pelos nazis fascistas, Vassili Grossman não se coibe de analisar e escalpelizar os intrincados e emaranhados regimes totalitários em confronto, nem tampouco de identificar nos mesmos linhas condutoras similares e objectivos comuns, compreendendo-se assim as razões e os motivos da proibição do livro na extinta União Soviética.

 

Leitura recomendada a quem gostar de temas relativos à II Guerra Mundial e se sinta liberto de preconceitos dogmáticos quanto à essência do ser humano e à luta diária pelo seu bem estar e sobrevivência... esteja onde estiver.

 

(VIDA E DESTINO  -  Vassili Grossman  -  Publicações Dom Quixote  -  855 páginas)

 

 

Um português de "jeans" em Moscovo

Janeiro de 1984, Moscovo. Estradas e passeios cobertos de neve. Um frio de rachar, com mais de vinte graus negativos. Bem fiz eu em seguir os conselhos de um meu amigo e comprar uma "chapka", uma espécie de boné russo com extensões para tapar as orelhas, feito de pele de coelho. Acertei também em trazer umas boas botas capeadas com borracha, pois com capas de couro seria de morrer, com a humidade gelada a subir-me pelas pernas acima. Moscovo é uma cidade enorme, com avenidas gigantescas, fria e sem o aspecto das cidades europeias ocidentais, desde logo pela escassez de estabelecimentos comerciais onde se possa comprar as habituais bugigangas ou tomar um chã ou café em cada esquina. Claro que tem restaurantes bons e maus como em qualquer outro lado, e até de luxo, mas para isso é preciso conhecer alguem que domine a cidade. Um amigo levou-me a um desses restaurantes populares situado numa cave meio escondida, atravessado por uma barulheira enorme e frequentado pelos residentes locais, sempre atentos à presença de sofisticados estrangeiros. Foi aí que provei  o arenque fumado à maneira russa, acompanhado de uma enorme caneca de cerveja. Gostei e ainda hoje perco a cabeça com peixes fumados.

 

Ir a Moscovo sem ver o Kremlin é o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa. Lá fui eu então ver o ícone do poderio soviético, com as suas muralhas vermelhas muito bem conservadas. Lá estavam o mausoléu de Lenine, a majestosa Catedral ortodoxa de S. Basilio, imponente e belíssima, de cores muito vivas e cúpulas douradas, os famosos Armazéns GUM, onde se podia comprar quase tudo mas se não tivessemos moeda forte estrangeira não compravamos quase nada. Admirava-me muito com toda aquela gente que calcorreva Moscovo, estrangeiros por todos os lados, diversos povos dos mais distantes lugares dos confins do império, russos, kazaques, arménios, tadjiques, moldavos, turcomanos e tantos outros. As mulheres russas davam de sobremaneira nas vistas, com os seus fabulosos casacos de peles, que, acrescidos à sua natural beleza, mais as realçava. 

 

Andar no Metro de Moscovo é uma experiência incrivel, com todas aquelas linhas sobrepostas e estações maravilhosamente ornamentadas, autênticas obras de arte.

 

Ir a Moscovo e não comer caviar é o mesmo que ir a Paris e não comer paté de pato. O mais caro é o caviar preto mas, à falta de dolares ou marcos, vai mesmo do vermelho, mais barato mas igualmente bom, pelo menos para mim, que não sou esquisito. E é que não sou mesmo, pois até me dei à experiência de provar e finalmente comer várias vezes a famosa "kaxa" russa, uma espécie de papas de aveia.

 

Muito me admirei de ver a circular em Moscovo centenas e centenas de camiões a carburar gasolina e não gasóleo, muito mais barato. Mas será que esta gente anda a nadar assim tanto em petróleo? Pelos vistos andava mesmo. Outra coisa que demorei a compreender foi o extraordinário interesse dos jovens soviéticos pelas famosas calças de ganga ocidentais, a nossas "jeans", como as minhas, pelos vistos uma autêntica raridade por aqueles lados. Os soviéticos não tinham qualquer dificuldade em fabricar os mais complexos misseis intercontinentais, os mais que gigantescos submarinos atómicos e os mais sofisticados satélites... fabricar "jeans" é que era para eles uma dificuldade, pois que, diziam, corrompia a juventude. Muito honesta e sinceramente... não percebi esta preocupação com as "jeans" ocidentais, mas também não fazia mal, o passeio estava a chegar ao fim.

 

Para se gostar então de Moscovo era necessário gostar de viajar e contactar todos os dias com pessoas e experiências novas, e eu sempre gostei muito. Para alem do mais, sempre suscitaram a minha admiração os autores russos do "Taras Bulba" e de "Os Irmãos Karamazov"... e eu suspirava por um pouco desse ambiente admirável, mesmo que só aproximado e alterado em muito pelo terramoto de 1917.

 

Até à próxima, pátria de Gogol e Dostoievski... até à próxima!...

          

          

Torpedos e... Acordo Pornográfico

Consideremos uma frase do seguinte teor: "O Senhor Doutor Juiz considerou o facto como provado". Como interpretar a frase? No tempo em que eu andei na minha linda escolinha, só o poderia ser no sentido de que o Senhor Doutor Juiz deu o caso, o acto, o acontecimento como tendo ficado provado. E agora esta outra fase: "O Senhor Doutor Juiz deu o fato como provado". Eu e os outros meninos da escolinha diriamos logo que o Senhor Doutor Juiz deveria ter ido de certeza ao alfaiate provar o seu fato, conjunto de calça e casaco, e deu a entender ao artesão que considerava a prova feita. Costumava dizer-se até, "fui ao meu alfaiate provar o fato". Pois agora esta gentinha do acordo pornográfico, desculpem, ortográfico, decidiram vandalizar o português e, entre outras alhadas em que nos meteram, estipularam considerar que "facto" e "fato" são a mesma coisa, quando nós sabemos que não são, pois num caso significa acontecimento, caso, acto, e, no outro, vestuário, como conjunto de calça e casaco, no caso dos homens, ou saia e casaco, no caso das senhoras. Esta foi uma das calinadas, mas muitas outras se fizeram para agradar a interesses que nada têm a ver com a origem histórica da lingua portuguesa.

 

Que diriam Camões, Vieira, Camilo, Eça e Pessoa destes escrevinhadores sentados nas secretarias governamentais que decidiram prostituir a nossa lingua a seu bel prazer, somente para agradar aos interesses globalizadores dos "mensaleiros" do Palácio do Planalto?... Eça de Queirós de certeza que os escalpelizaria a todos!...

 

Ao não tomarmos medidas muito firmes e sérias, não vai demorar muito tempo e ouviremos um dos nossos filhos dizer para a sua "garota": "Meu bem, depois lhe enviarei um torpedo do meu celular". Este português macarrónico cheira-me a sopa estragada... "torpedo" no lugar de "mensagem", "celular" no lugar de "telemóvel".

 

Meu tio-avô duriense, verdadeiro português de gema, de linguagem viperina e crua, se fosse vivo, depois de um bom caldo de couve galega daria de certeza um belo e sonante traque a um desses paspalhões responsáveis pelo chamado acordo pornográfico, desculpem, ortográfico, terminando, satisfeito... "humm... mas que belo torpedo"!...